Agora o sol


Foto: Tili Oliveira
Ao invés de correr por toda a via, em busca de absorver nacos de raios de sol aqui e ali, p
referi me aquietar no banco central do parquinho infantil, fechando os olhos de forma resiliente.

E ver quantas vezes era capaz de contar até que um pequeno raio me atingisse as têmporas.

Estava atrasada, mas a tentação de ficar ali era tão grande, que fui permanecendo até que se passou o dia.

Vieram os primeiros raios de luar, brigando com os últimos raios de luz do sol, e ali ainda estava eu, quieta, incapaz de arredar pé.

No ar um cheiro de pão-de-ló entorpecia os arredores e enchia meus pulmões. Aspirei fundo a mistura do cheiro de eucalipto das árvores com o cheiro doce e senti uma pequena pontada de fome percorrer minhas entranhas.

Minhas pernas estavam dormentes, assim como minhas mãos estavam doloridas por apoiar firme no banco de cimento, mas à medida que o tempo esfriava eu me sentia ainda mais arraigada àquele local e não me atrevia a levantar.

O moço da segurança veio até mim e falou, abaixando-se devagar até a altura de meus olhos: moça, precisamos fechar o parque, amanhã a senhora pode vir novamente. Acredito que ele tenha chegado á conclusão, depois de me ver por tanto tempo ali, quieta e parada, que eu deveria ter algum problema neurológico

Falou bem baixinho, o máximo que pode, quase sussurrando. Na hora eu fiquei um pouco preocupada com a abordagem, até com um pouco de medo, mas logo percebi apiedada que ele me confundia com alguém com dificuldades mentais e me tratava com o mais delicado dos olhares que já recebi de alguém. Seu tom de voz me lembrou a forma como minha mãe falava com minha sobrinha quando ela insistia em fazer birras e se jogar ao chão. Devagar, bem devagar, ela falava com a neta, até que se acalmasse e concordasse em aceitar o que estava por vir:

- Vamos minha fiinha, a vó não deixa nada acontecer. Vem!

Por trás dos meus olhos eu chorei com aquele desvelo do homem desconhecido e preocupado, e descobri que era por aquilo que tantos procuravam, aquele baú de tesouro ao final do arco-íris... Aquele cuidado incomensuravelmente estranho, sutil e sem nenhuma querência.

Ao me levantar, agradeci ao rapaz e segui meu caminho. Amanhã seguirei pela senda, pois a vida é só isso mesmo, um estalar de dedos.

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